sexta-feira, 12 de junho de 2009

Sentido (ou Reflexo)

Minha pequena menina,
Minha doce agressiva,
Crescida em mentiras,
A verdade abre o céu;
Por fim, te ilumina.

Minha amada, minha querida.
Se esqueça das mentiras,
Que são contadas todos o dias,
Simulando o perdão,
Esquecendo as feridas.

Minha alma, minha divina,
Cresça sempre onde te limita,
Faça do meu reflexo sua sina,
De crescer como uma alma,
Uno nessa e na outra vida.

Café

Sentinela amargurado,
com o seu sabor amargo,
esquenta meu peito
da ressaca da noite anterior


Em um corpo descartável,
com medidas singelas,
a corda os olhos,
Saboreando seu "eu" interior


A cabeça apertada,
em cada gole; engolindo as palavras,
acendo um cigarro
apreciando um pouco do que restou.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Jaraguá (ou monomania)

Daqui do banco de trás
vejo o pescoço dele
pelo espaço entre o banco
e o escosto de cabeça.
Vejo o pescoço e um pouco
do cabelo dele.
Os rapazes seguem me dizendo
muitas coisas sobre a cidade.
Parte histórica, mal iluminada,
casarões, grafite,
o puteiro recorrente.
Mas daqui do banco de trás
eu só vejo o pescoço dele,
iluminado pela luz amarela
dos poucos postes.
Eles me explicam coisas
que eu ouço
enquanto só posso pensar
que eu queria muito encostar
meus dedos no pescoço dele
e alcançar os cabelos
assim, mansinho, baixinho.
O outro dirige macio
pelas ruas. Eles me explicam
que tudo isto já foi
muito mais bonito.
Eu, ouvindo-os, com meus pés no banco,
só consigo imaginar meus dedos tocando
o pescoço dele.
Coloco minhas mãos
no banco da frente,
tão perto.
Mexo meus dedos, ensaio um toque sutil,
e pensar na pele dele faz eu lembrar
o cheiro que ela tem.
Ele muda o cd,
e eu encerro minha carícia no banco do carro.
Mais algumas voltas, algumas ruas
e mais tarde eu tocarei
outro pescoço e outro cabelo.


Luciana Mutti

Boa notícia (ou Brand New Tobacco)

Depois desses meses todos,
de todo este tempo perdido, quero dizer,
tentando tirar essas manchas todas,
essas coisas que ele imprimiu em mim,
quero dizer, depois de tanto nadar
boiar, me afogar na merda
a cada lembrança pungente,
então, depois de tudo isto,
resolvi mais uma questão!
Parabéns pra mim,
uma mulher (?) resolvendo-se,
afastando as súmulas de um caso passado.
É que, quero dizer, ele mudou
muita coisa em mim.
Digo, eu mudei muita coisa
em mim durante/depois dele.
Até, riam-se, o cigarro!
Penso se existe alguém
que tenha noção do quanto amargo
era cada trago daquele cigarro amaldiçoado.
Amargo! Amargo demais,
com gosto de que mesmo?
De enjôo, de náusea,
de porre mal tomado e
ressaca que dava vontade de morrer.
Gosto de que? De raiva
da ingenuidade patética (amarga também)
Ah! gosto de dor de cotovelo, claro.
Enjôo, náusea, cigarro amaldiçoado.
Bolero mal amado, e o cigarro,
sempre ele, me lembrando a rejeição.
Até parei de fumar!
Quanto desprazer pode caber num box!
Para parar de fumar, minha amiga,
use paixão triste e não correspondida.
Mas então, vejam, veio a luz!
Como não tinha pensado antes?
como não?
Vontade de fumar, nenhum cigarro
"dá um hollybomba aí", pedi
pedi e acendi com a brasa alheia.
Depois outro... quebrou o galho.
É, quebrou.
Ora, por que não?
o chato só é que meus cigarros
sempre amassam...
se o box não protege
imagina o maço!
Foda-se, antes amassado que amargo!
E assim se deu,
eu e o Hollywood,
que depois vim a comprar um maço no barzinho de sempre.
"Ué, ela não fuma Camel?",
o cara deve ter pensado.
Mas isto é porque ele não sabe,
não sabe ele nem ninguém
o quão amargo um Camel pode ser.
Ele não sabe de nada,
nem vai saber, porque não fuma,
apesar de certamente já ter escorregado
(assim, como eu escorreguei)
numa casca de banana,
que fume ou não, tanto faz,
porque uma casca de banana é sempre uma casca de banana!

É, foi assim que aconteceu.
Passou a fase Marlboro, a fase Strike
(que foi inadvertidamente trocado pelo Camel),
e agora a Nova Era Hollywood!
Novos tempos, uma mulher (?) resolvendo-se,
que coisa linda, não é?

E, em homenagem a todas as mulheres (?)
que se libertam de um cigarro amargo,
estou escrevendo isto (?) fumando um Hollywood. Bravo!

Luciana Mutti

Dia do caçador

Já devia saber que a hostilidade
é um caminho sem volta.
Três semanas de namoro
e experimentamos um silêncio
de vinte e cinco anos
de casamento.
O cigarro tremia
na minha mão que tremia
também.
E não era de ansiedade
nem de estimulantes
nem de tesão.
Antes, talvez, a chateação
mal disfarçada.
"É que, eu disse, três horas
de espera deixam a pessoa
sem muito assunto
pra falar"
Sem muita vontade
também.
Aliás, uma vontade
de não falar.
E parecia que tudo e todos
no bar partilhavam do nosso
constrangimento.
Todas as mesas e todas
as pessoas nas mesas,
assim como o próprio bar,
a música (nem ela fazia sentido,
eu até comentei),
o cheiro de fritura,
os dois garçons ali no canto,
tudo, enfim. "É que,
eu falei, não se trata
das três horas de espera"
Porque, realmente, eu não tinha
esperado só três horas,
e sim o dia inteiro,
desde que acordei
e tomei banho, e demorei
escolhendo a roupa, etc.
Estava esperando desde que
decidi que seria inevitável
esperar por ele, porque era tudo
o que me restava fazer quando
o desejo (sempre ele, incoerente)
e a ausência me tiraram o sossego,
piscando neon, porque estava/estou
(toma!) apaixonada!
E talvez por isso eu tenha
esperado as três horas,
para vê-lo e para ficar em silêncio,
mas vê-lo e ver que chegaria
enfim!
De repente me vi numa cena
grotesca, como se eu fosse
o verdugo ali, obrigando-o
ao silêncio, nosso silêncio,
que era meu, minha não-vontade
de falar.
Pensando nisso eu ri,
e ele certamente não entendeu
ou se encheu de esperança e
pensou que se romperia o silêncio,
a chateação, e daríamos, ambos,
os braços a torcer e
nos daríamos as mãos.
Mas eu só ri e acendi
outro cigarro. Nada fazia sentido
ali.


Luciana Mutti

domingo, 7 de junho de 2009

"Há uma escolha que se faz todo dia: amar ou permitir-se esquecer disso..."