Já devia saber que a hostilidade
é um caminho sem volta.
Três semanas de namoro
e experimentamos um silêncio
de vinte e cinco anos
de casamento.
O cigarro tremia
na minha mão que tremia
também.
E não era de ansiedade
nem de estimulantes
nem de tesão.
Antes, talvez, a chateação
mal disfarçada.
"É que, eu disse, três horas
de espera deixam a pessoa
sem muito assunto
pra falar"
Sem muita vontade
também.
Aliás, uma vontade
de não falar.
E parecia que tudo e todos
no bar partilhavam do nosso
constrangimento.
Todas as mesas e todas
as pessoas nas mesas,
assim como o próprio bar,
a música (nem ela fazia sentido,
eu até comentei),
o cheiro de fritura,
os dois garçons ali no canto,
tudo, enfim. "É que,
eu falei, não se trata
das três horas de espera"
Porque, realmente, eu não tinha
esperado só três horas,
e sim o dia inteiro,
desde que acordei
e tomei banho, e demorei
escolhendo a roupa, etc.
Estava esperando desde que
decidi que seria inevitável
esperar por ele, porque era tudo
o que me restava fazer quando
o desejo (sempre ele, incoerente)
e a ausência me tiraram o sossego,
piscando neon, porque estava/estou
(toma!) apaixonada!
E talvez por isso eu tenha
esperado as três horas,
para vê-lo e para ficar em silêncio,
mas vê-lo e ver que chegaria
enfim!
De repente me vi numa cena
grotesca, como se eu fosse
o verdugo ali, obrigando-o
ao silêncio, nosso silêncio,
que era meu, minha não-vontade
de falar.
Pensando nisso eu ri,
e ele certamente não entendeu
ou se encheu de esperança e
pensou que se romperia o silêncio,
a chateação, e daríamos, ambos,
os braços a torcer e
nos daríamos as mãos.
Mas eu só ri e acendi
outro cigarro. Nada fazia sentido
ali.
Luciana Mutti
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